segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A psicanálise (ainda) é possível?


Freud elencou a psicanálise como uma das profissões impossíveis, ao lado do educar e do governar. Tal proposição pode soar muito estranha ao ser proferida por aquele que fundou e exerceu a psicanálise até o fim de sua vida, deixando um legado incomparável e essencial, até hoje, aos avanços da teoria e técnica psicanalíticas.
Entretanto, com alguma proximidade do campo psicanalítico é possível compreender a mensagem freudiana: a psicanálise é tarefa que exige compromisso de quem a pratica e de quem a ela se submete e, assim com o educar e o governar, é regida por uma ética, está implicada num contexto e está articulada ao laço social. A Psicanálise reconhece assim a impossibilidade da perfeição, da totalidade e da plenitude em seu exercício e em seus efeitos.
Desde a sua criação muitos proclamaram o fracasso da psicanálise. Não é raro o anúncio da sua extinção.  Alguns consideram ultrapassado falar de problemas pessoais, explorar idéias e refletir sobre a vida quando existem recursos como medicamentos, que prometem resultados sem esforços. Outros ponderam sobre sua suposta insustentabilidade frente à agitação, à falta de tempo e à necessidade de soluções rápidas que caracterizam o nosso cotidiano.
Então, não seria mais eficaz e/ou mais rápido, pois a modernidade ensinou que tempo é dinheiro, aprender algumas técnicas para solução de problemas ou aperfeiçoar a capacidade cognitiva para uma administração mais racional e lucrativa da própria vida? Ou, melhor ainda, buscar alguma opção medicamentosa que possa suprimir todas as dificuldades e sofrimentos que caracterizam a existência humana?
Acredito que as respostas a estas indagações dependem do conceito de eficiência que se utilize e da definição dada à condição de ser humano.
Freud iniciou seus trabalhos e desenvolveu a teoria e o tratamento psicanalíticos a partir do que ele identificou como mal de amor: uma inquietação da falta, vivida como falta de amor. Não parece que a inquietação do homem contemporâneo esteja distante disto, ao contrário, temos nos deparado com sujeitos desamparados, solitários, em busca de laços e do consumo como uma forma de encontrar a plena felicidade.
A psicanálise propõe a possibilidade de tratarmos esse vazio, esta condição de sermos seres faltantes, incompletos, buscando encontrar meios menos sofridos de viver e, portanto, de abordar a dor de existir. Assim, o conceito de eficiência distancia-se de uma promessa de felicidade atrelada à abolição de todo e qualquer sofrimento (por umas poucas horas!) e aproxima-se da aposta em um sujeito que se reconheça como desejante e responsável por seus atos e que, portanto, possa obter mais prazer em sua vida.
Mais do que possível, isso me parece bastante desejável e (porque não?) necessário.

Realinguagem


Numa homenagem póstuma ao psicanalista argentino Roberto Harari, o Realinguagem é um espaço para a circulação do discurso psicanalítico em suas vertentes teórica e clínica.
Harari* cunhou o termo a partir da proposição lacaniana de uma clínica do Real, não restrita aos limites do Simbólico, implicando na necessidade de se ir além do campo metafórico. Assim, a Realinguagem traz para a clínica a escuta e o trabalho com a vertente Real da linguagem, sempre com seus particulares enlaces ao Imaginário e ao Simbólico. Não mais apenas as palavras inteiras, mas seus fragmentos, balbucios, gagueiras, timbres e melodias da voz devem ser, como diz Harari, “audicionados” pelo psicanalista.
Este blog é um convite para este movimento de produção e inovação ao qual a psicanálise, há mais de um século, nos convoca.

*Harari, Roberto (2008).  Psicanalista, o que é isso? Org: Carlos A. Remor, Inezinha B. Lied, Tânia Mascarello. Rio de Janeiro: Cia. de Freud.